Quando Maria Corina Machado, nascida em 1967 na Caracas, foi anunciada como laureada com o Nobel da Paz de 2025, a reação foi imediata e, de certa forma, inevitável. Foi na manhã de sexta‑feira, 10 de outubro de 2025, por volta das 11h (horário da Europa Central), que o Comitê Nobel da Noruega revelou a decisão via transmissão ao vivo no site oficial do prêmio.
Para entender a magnitude da homenagem, é preciso recordar que a Venezuela vive uma crise institucional que se arrasta há mais de uma década. Desde a ascensão de Hugo Chávez, o país tem navegado entre políticas populistas e autoritarismo, culminando em um regime que, segundo observadores internacionais, suprime liberdades civis e manipula processos eleitorais. Em 2018, a inflação disparou para mais de 1.000.000% e, em 2022, o salário mínimo ficou abaixo de US$ 1,00, gerando um êxodo de milhões de venezuelanos.
A história de Machado começa em 1992, quando fundou a Fundação Atenea, focada em crianças de rua em Caracas. Dois anos depois, ajudou a criar a ONG Súmate, que monitorava eleições e treinava observadores. Em 2010, venceu a Assembleia Nacional com recorde de votos, mas foi cassada em 2014, acusada de “traição” pelo governo.
Desde então, Machado tem sido a figura central da oposição. Em 2017, co‑fundou a aliança Soy Venezuela, reunindo forças pró‑democracia. No ano seguinte, iniciou o movimento Vente Venezuela, que tenta transformar a oposição fragmentada em um bloco coeso. Seu plano de concorrer à presidência em 2024 foi bloqueado, mas apoiou Edmundo González Urrutia, candidato alternativo reconhecido pela comunidade internacional.
Na transmissão, o porta‑voz do comité leu a motivação oficial: "por seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo venezuelano e por sua luta rumo a uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia". O discurso ressaltou que Machado "mantém a chama da democracia acesa em meio a uma escuridão crescente" e que ela "é um exemplo extraordinário de coragem civil na América Latina".
Logo após o anúncio, Robyn E. Hardy, assistente de pesquisa do Instituto Nobel da Noruega, conduziu uma entrevista relâmpago. Machado respondeu: "Sou apenas parte de um movimento enorme. Estou honrada, agradecida e humildemente ciente da responsabilidade que isso traz". Ela dedicou o prêmio "aos milhões de venezuelanos anônimos que arriscam tudo pela liberdade, justiça e paz" e, de forma inesperada, citou o ex‑presidente dos EUA, Donald Trump, como "um apoio decisivo à nossa causa".
No Brasil, o presidente Lula parabenizou Machado, ressaltando que "a luta pela democracia transcende fronteiras". Já na Venezuela, o governo de Nicolás Maduro denunciou o prêmio como "uma manobra política de potências estrangeiras" e ordenou a intensificação das repressões contra lideranças opositoras. Em Havana, o Ministério das Relações Exteriores de Cuba elogiou a escolha, dizendo que "reconhece a coragem de quem enfrenta regimes autoritários".
Organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional, declararam que o Nobel reforça a necessidade de observação internacional constante nas urnas venezuelanas. Por outro lado, críticos apontam que o prêmio pode polarizar ainda mais a sociedade, trazendo riscos de retaliações.
O que muda a partir de agora? Primeiro, a visibilidade global da causa venezuelana atingiu um novo patamar. Em seguida, a pressão diplomática sobre Maduro aumentou, com várias nações considerando sanções direcionadas ao regime militar. Também é provável que mais grupos de oposição vejam no Nobel um incentivo para se unirem em torno de um programa político claro.
Entretanto, especialistas alertam que o prêmio, por si só, não garante transição. O analista político da Universidade de Santiago, José Luis Pérez, comenta: "A história mostra que reconhecimento internacional pode abrir portas, mas o caminho interno depende da capacidade da sociedade civil de mobilizar e da disposição das forças armadas de aceitar uma mudança pacífica".
Para os venezuelanos que vivem no exílio, o Nobel traz esperança. Muitos estão organizando campanhas de arrecadação para apoiar famílias ainda na capital. Nas ruas de Caracas, surgiram murais com a imagem de Machado, acompanhados da frase "Paz é democracia".
O Comitê Nobel ainda não anunciou cerimônia de entrega, mas antecipou que será realizada em Oslo, em dezembro de 2025, com presença de representantes da sociedade civil venezuelana. Enquanto isso, Machado planeja usar a plataforma para pressionar organismos como a OEA e a ONU a monitorarem as próximas eleições venezuelanas, previstas para 2026.
Seus aliados esperam que a visibilidade ajude a desbloquear a possibilidade de diálogo entre o governo e a oposição, um cenário ainda distante, porém agora mais plausível.
O prêmio coloca a luta democrática venezuelana sob os holofotes internacionais, aumentando a pressão sobre Maduro e facilitando a mobilização de recursos para a oposição. Contudo, mudanças reais dependem de pressões internas e do comprometimento das forças armadas.
A fundação, liderada por Marcell Felipe, juntou-se a quatro reitores universitários dos EUA em agosto de 2024 para promover a nomeação de Machado, destacando sua trajetória de paz e sua liderança na oposição venezuelana.
Maduro classificou o Nobel como uma intervenção estrangeira e prometeu intensificar a repressão contra líderes oposicionistas, acusando a Noruega de interferir nos assuntos internos da Venezuela.
A menção a Trump reflete o apoio diplomático que o ex‑presidente dos EUA ofereceu ao movimento opositor em 2023, incluindo sanções e reconhecimento internacional. Embora controversa, a referência evidencia alianças estratégicas.
A cerimônia está prevista para dezembro de 2025 em Oslo, na presença de representantes da sociedade civil venezuelana e de autoridades norueguesas.
outubro 10, 2025 AT 23:40
O anúncio do Nobel trouxe à tona a realidade crua da Venezuela, onde a inflação e a escassez ainda apertam a vida cotidiana. A trajetória de Maria Corina Machado demonstra que a resistência pode ganhar reconhecimento internacional mesmo em contextos de repressão. Esse prêmio pode servir como catalisador para a comunidade global reforçar a pressão diplomática. Resta observar como essa visibilidade será convertida em ação concreta.